Consequências Jurídicas e Prejuízos Econômicos de Disfarçar Franquias como Licenciamentos de Marca: Lições de um Julgado do TJSP

Moedas empilhadas

Artigo escrito por Caio Kuster, que é Pós-graduado em Processo Civil e Direito Civil. Mestrado em Direito e Empreendimento e advogado sócio do Brum Kuster, Marques & Fragoso Advogados

CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS E PREJUÍZOS ECONÔMICOS DE DISFARÇAR FRANQUIAS COM LICENCIAMENTOS DE MARCA

A manipulação de contratos de franquia, disfarçando-os como acordos de licenciamento de marca, pode acarretar sérias consequências jurídicas e prejuízos econômicos significativos. Um caso julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo[1] envolvendo famosa marca de calçados ilustra as implicações legais dessa prática e destaca os danos sofridos pela parte ré, enfatizando a necessidade de transparência e aderência às normas legais.

 

 

O Contexto do Caso

 

APELAÇÃO – RESCISÃO DE CONTRATO – CONTRATO DE FRANQUIA NOMEADO COMO CONTRATO DE LICENÇA DE USO DE MARCA – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – 1. JUSTIÇA GRATUITA – Pedido formulado após a determinação de complementação do preparo – Justiça gratuita – Pessoa Jurídica e naturais – Elementos de provas dos autos que indicam inexistir a hipossuficiência financeira declarada – Justiça gratuita negada – Precedente jurisprudencial – Deferimento de recolhimento da complementação ao final da ação, sob pena de inclusão na dívida ativa – 2. Pretensão à procedência do pedido, com declaração de nulidade da cobrança de royalties; rescisão do contrato por culpa dos apelados; nulidade absoluta da garantia hipotecária firmada; nulidade dos protestos e danos morais – Acolhimento em parte – Contrato de franquia travestido de “contrato licença de marca” com a única finalidade de afastar a incidência da Lei de Franquia – Afastamento da decadência – Contrato nulo – Atos de execução do contrato sem validade jurídica, devendo ser cancelados: as hipotecas realizadas, os títulos emitidos e os protestos realizados pela “licenciadora” que, entretanto, poderá cobrar o preço das mercadorias vendidas a partir de constituição de seu crédito pela via ordinária – Royalties efetivamente pagos pela autora deverão ser-lhe restituídos – Improcedência dos pedidos quanto aos lucros cessantes e aos prejuízos acumulados e danos decorrentes dos investimento e da locação realizada pelos autores – Dano moral pelos protestos indevidos o recurso procede parcialmente, arbitrados R$ 30.000,00 – Recurso provido em parte, com redistribuição da sucumbência e da verba honorária. Dispositivo: deferiram o pedido de recolhimento das custas ao final do processo e deram parcial provimento ao recurso.

 

(TJ-SP – AC: 00216873720178260196 SP 0021687-37.2017.8.26.0196, Relator: Ricardo Negrão, Data de Julgamento: 29/03/2022, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 31/03/2022)

 

 

Em um arranjo comercial, as partes envolvidas assinaram um acordo supostamente de licenciamento de marca, que na prática adotava características de uma franquia. A intenção de evitar as obrigações impostas pela Lei de Franquias resultou em um litígio, onde os autores (licenciados) buscaram a anulação do contrato, alegando falta de transparência e violação da Lei de Franquias.

 

Consequências Jurídicas

A ação judicial culminou em várias consequências jurídicas adversas para a ré, incluindo:

 

Nulidade do Contrato: O tribunal reconheceu o contrato como uma franquia disfarçada e declarou sua nulidade devido à violação das normas da Lei de Franquias. Isso invalidou o acordo estabelecido, retirando a base legal para a operação da franquia sob o disfarce de licenciamento.

 

Devolução de Royalties: A ré foi obrigada a restituir os royalties recebidos, pois estes foram considerados cobranças indevidas, uma vez que o contrato foi declarado nulo. Isso representou um significativo impacto financeiro para a ré, além de prejudicar sua credibilidade no mercado.

 

Anulação das Garantias sobre os créditos em favor da Licenciadora: haviam garantias hipotecárias constituídas como segurança para as obrigações dos franqueados sob o contrato, que foram todas invalidadas. Isso significou que quaisquer direitos que a franqueadora pretendesse ter sobre os imóveis dos franqueados, como forma de garantia, foram anulados.

 

Proteção aos Franqueados: A anulação das garantias teve um profundo impacto financeiro sobre a ré, a perda dessas garantias significou deixar a licenciadora numa posição vulnerável em termos de recuperação de quaisquer débitos ou prejuízos decorrentes da relação de franquia.

 

Precedente Jurídico: A decisão de anular as garantias dentro deste julgado pode estabelecer um precedente significativo, influenciando futuras decisões judiciais em casos similares. Isso pode ter implicações mais amplas para a prática de disfarçar contratos de franquia como

 

Prejuízos Econômicos e Legais

 

Além das consequências jurídicas imediatas, a ré enfrentou vários prejuízos econômicos e legais, incluindo:

 

Custos Legais: Os custos associados à defesa no litígio, bem como as despesas processuais, impactaram financeiramente a ré. Isso inclui honorários advocatícios e custas judiciais, que podem se acumular rapidamente em casos complexos.

 

Danos à Reputação: A exposição do caso e a prática de disfarçar contratos de franquia prejudicaram a reputação da ré no mercado. Isso pode ter consequências de longo prazo, afetando a confiança dos parceiros de negócios atuais e potenciais franqueados.

 

Perda de Receitas Futuras: A nulidade do contrato e a consequente interrupção das operações da franquia sob o acordo em questão resultaram na perda de receitas futuras que seriam geradas por meio da relação de franquia.

 

Impacto na Estratégia de Expansão: A decisão judicial e suas implicações podem forçar a ré a revisar sua estratégia de expansão e o modelo de negócios de franquia, potencialmente limitando suas oportunidades de crescimento.

 

 

Implicações Legais

 

A legislação brasileira, por meio da Lei de Franquia (Lei nº 13.966/2019), exige que contratos de franquia sejam precedidos pela entrega de uma Circular de Oferta de Franquia (COF), detalhando informações cruciais sobre o negócio. A falta de transparência e a tentativa de mascarar a relação de franquia como um contrato de licenciamento levaram à busca judicial pela nulidade do contrato por parte dos franqueados, fundamentada na violação das disposições legais pertinentes.

 

Lições Aprendidas

 

O caso destaca a importância da transparência nas relações comerciais e da estrita aderência à legislação vigente. Para franqueadores, é essencial reconhecer que a tentativa de evitar obrigações legais por meio de contratos disfarçados não apenas falha em proteger os interesses empresariais, mas também expõe a empresa a riscos legais significativos. Para os franqueados, o caso reforça a necessidade de diligência na análise dos contratos, assegurando a compreensão plena dos termos acordados e seus impactos legais.

 

Conclusão

 

A transparência e o cumprimento das normas legais são fundamentais para o sucesso e a sustentabilidade de relações de franquia. O caso analisado serve como um lembrete crítico para empresas de todos os tamanhos sobre a importância de estabelecer relações comerciais claras, éticas e legalmente sólidas, evitando assim as consequências adversas de práticas comerciais enganosas.

 

Este artigo busca não apenas esclarecer os riscos associados ao mascaramento de contratos de franquia, mas também enfatizar a importância de praticar a devida diligência e buscar aconselhamento legal adequado na formação de qualquer acordo comercial, garantindo assim relações benéficas e legalmente conformes para todas as partes envolvidas.

As consequências jurídicas e os prejuízos econômicos enfrentados pela ré servem como um aviso para outras empresas sobre os riscos de práticas contratuais enganosas. Manter a integridade nas relações comerciais não apenas protege as partes contra litígios dispendiosos, mas também salvaguarda a reputação e viabilidade econômica a longo prazo.

 



 

 

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