VOCÊ SABE O QUANTO CUSTA O JUDICIÁRIO PARA CADA HABITANTE NO BRASIL? SERÁ A TECNOLOGIA A SOLUÇÃO PARA A MOROSIDADE E O CUSTO DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO?

O Brasil é um país que enfrenta uma grave crise no sistema judiciário, que se reflete na demora, no custo e na ineficiência da prestação jurisdicional. De acordo com o relatório Justiça em Números 2022, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil tem uma taxa de congestionamento[1] de 74% na Justiça de Primeiro Grau e de 54% na Justiça de Segundo Grau. O que significa dizer que temos – pelo estoque de processos não resolvidos do judiciário e a desproporção entre o que entra de novas ações e o volume das que são resolvidas – uma perspectiva de milhares de cidadãos que simplesmente não terão seus casos resolvidos pela Justiça pelos próximos anos[2].

Mais alguns dados do Conselho Nacional[3]:

  • Total de processos em tramitação no Judiciário brasileiro em 2021: 77,3 milhões.
  • Total de casos novos em 12 meses: 27,7 milhões – crescimento de 10,4% em relação a 2020.
  • Volume de processos suspensos, sobrestados ou em arquivo provisório, aguardando definição jurídica futura em 2021: 15,3 milhões
  • Total de processos baixados: 26,9 milhões – aumento de 11,1% em relação a 2020. O percentual é superior ao crescimento de 10,4% em casos novos.
  • O tempo médio dos processos eletrônicos é de 3,4 anos
  • O tempo médio é de 9,9 anos dos processos físicos.

Além disso, segundo o CNJ, em 2021, o custo pelo serviço de Justiça foi de R$ 489,91 por habitante no país[4]!

Essa situação afeta negativamente os direitos e os interesses dos cidadãos e das empresas que recorrem ao judiciário para solucionar os seus conflitos. Além disso, prejudica a credibilidade, a legitimidade e a autoridade do poder judiciário como um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Por isso, é urgente buscar alternativas que possam tornar o judiciário mais ágil, eficaz e justo.

Nesse sentido, as novas tecnologias e a inteligência artificial podem ser grandes aliadas para modernizar e otimizar o funcionamento do judiciário. A inteligência artificial é uma tecnologia que permite que máquinas e sistemas realizem tarefas que normalmente exigiriam inteligência humana, como reconhecimento de voz, visão computacional, aprendizado de máquina, processamento de linguagem natural, entre outras.

Existem diversas formas de aplicar a inteligência artificial no âmbito do judiciário, das quais destaco algumas possibilidades que considero promissoras:

  • A primeira é o uso da inteligência artificial para automatizar tarefas repetitivas e burocráticas, como triagem, classificação, distribuição e movimentação de processos, extração e análise de dados, elaboração de minutas e despachos, entre outras. Essa aplicação pode reduzir o tempo e o custo dessas atividades, liberando os magistrados e os servidores para se dedicarem às questões mais complexas e relevantes. Além disso, pode aumentar a padronização, a consistência e a qualidade dos atos processuais.
  • A segunda é o uso da inteligência artificial para auxiliar na produção e na avaliação de provas digitais, como registros de geolocalização, comunicações eletrônicas, redes sociais, imagens, vídeos, áudios, entre outras. Essa aplicação pode facilitar a obtenção e a preservação dessas provas, bem como a verificação da sua autenticidade, integridade e relevância. Além disso, pode contribuir para a formação do convencimento do juiz e para a fundamentação das decisões judiciais.
  • A terceira é o uso da inteligência artificial para apoiar a tomada de decisão judicial, por meio de sistemas que possam fornecer informações úteis para o julgamento dos processos, como precedentes jurisprudenciais, doutrina jurídica, legislação aplicável, probabilidades estatísticas, entre outras.
  • Outra possibilidade é o uso da IA para prever desfechos: algoritmos de IA podem estimar o provável resultado de um caso com base em casos passados semelhantes, o que poderia acelerar a resolução de processos. Essa aplicação pode auxiliar os magistrados a resolver os casos com maior rapidez, segurança e coerência. Além disso, pode favorecer a transparência, a previsibilidade e a uniformidade das decisões judiciais.

No entanto, o uso da inteligência artificial no judiciário também enfrenta alguns desafios e limitações que precisam ser considerados e superados. Entre eles, podemos citar:

  • A necessidade de regulamentação jurídica específica sobre os princípios, as normas e as responsabilidades relacionados ao desenvolvimento, à implementação e ao uso da inteligência artificial no judiciário. Essa regulamentação deve garantir o respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos envolvidos nos processos judiciais, como o contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal, a privacidade e a proteção de dados pessoais. Além disso, deve estabelecer critérios para a avaliação da confiabilidade, da validade e da eficácia dos sistemas de inteligência artificial utilizados no judiciário;
  • A necessidade de capacitação e de adaptação dos magistrados e dos demais profissionais do direito para o uso adequado e consciente da inteligência artificial no judiciário. Essa capacitação deve envolver o conhecimento básico sobre os conceitos, as técnicas e as ferramentas da inteligência artificial, bem como sobre os benefícios, os riscos e os limites da sua aplicação no judiciário. Além disso, deve estimular o desenvolvimento de habilidades e competências para a interação, a supervisão e a avaliação crítica dos sistemas de inteligência artificial utilizados no judiciário;
  • A necessidade de garantir a ética, a transparência e a governança dos sistemas de inteligência artificial utilizados no judiciário. Essa garantia deve envolver o estabelecimento de padrões de qualidade, de segurança e de desempenho para esses sistemas, bem como de mecanismos de controle, de monitoramento e de auditoria dos seus processos e resultados;
  • Deve ainda assegurar a prestação de contas, a explicabilidade e a contestabilidade das decisões tomadas ou influenciadas pela inteligência artificial no judiciário.

Outrossim, não somente no campo das decisões, a tecnologia pode ser aplicada para melhoria da eficiência e da qualidade das decisões processuais: um dos aspectos mais relevantes do uso da inteligência artificial no judiciário é o relacionado às provas digitais e ao processo judicial. As provas digitais são aquelas que se originam ou se manifestam em meios eletrônicos, como computadores, celulares, internet, entre outros. Elas podem ser utilizadas para demonstrar a ocorrência ou não de determinado fato e suas circunstâncias, tendo ele ocorrido total ou parcialmente em meios digitais ou, se fora deles, esses sirvam como instrumento para sua demonstração.

As provas digitais podem ser obtidas por diversos meios, como perícias, interceptações, quebras de sigilo, requisições, entre outros. No entanto, elas devem observar os requisitos legais de licitude, pertinência, relevância e suficiência para serem admitidas e valoradas no processo judicial. Além disso, elas devem respeitar os direitos fundamentais dos cidadãos envolvidos nos processos judiciais, como a privacidade e a proteção de dados pessoais.

São várias as possibilidades de uso da tecnologia para obter ou avaliar provas digitais no processo judicial, uma delas é a geolocalização para verificar o paradeiro ou o trajeto de uma pessoa ou objeto em determinado momento ou período. A geolocalização é um recurso que permite identificar e localizar a posição geográfica de pessoas ou objetos por meio de coordenadas via satélite emitidas por sinais de internet ou radiofrequência. A geolocalização pode ser utilizada para comprovar aspectos relacionados à jornada de trabalho, à localização do crime, à participação em eventos, entre outros.

Ressalte-se que o uso da geolocalização como prova digital no processo judicial é uma questão polêmica e delicada, pois envolve o equilíbrio entre o direito à prova e o direito à privacidade. Por um lado, a geolocalização pode ser um meio eficaz e preciso para demonstrar a veracidade ou a falsidade das alegações das partes envolvidas no processo. Por outro lado, a geolocalização pode violar o direito à intimidade, à vida privada e à inviolabilidade do domicílio das pessoas que são monitoradas ou rastreadas.

Por isso, é preciso que haja uma regulamentação jurídica específica sobre o uso da geolocalização como prova digital no processo judicial, que defina os requisitos, as condições e os limites para a sua obtenção e utilização. Essa regulamentação deve garantir que a geolocalização seja usada apenas para fins legítimos, proporcionais e necessários, e que seja autorizada pelo juiz competente, mediante fundamentação e motivação. Além disso, deve assegurar que a geolocalização seja realizada com o conhecimento e o consentimento das pessoas envolvidas, salvo em casos excepcionais previstos em lei.

Há ainda o uso da biometria para reconhecer ou identificar uma pessoa por meio das suas características físicas ou comportamentais únicas. A biometria é um recurso que permite verificar ou confirmar a identidade de uma pessoa por meio de dados biométricos, como impressão digital, íris, voz, face, entre outros. A biometria pode ser utilizada para comprovar aspectos relacionados à autoria ou à participação em um ato ilícito, à veracidade ou à falsidade de documentos, à identificação civil ou criminal, entre outros.

Por fim, pode-se lançar mão da análise de dados para extrair ou inferir informações relevantes a partir de grandes volumes de dados estruturados ou não estruturados. A análise de dados é um recurso que permite descobrir padrões, tendências, correlações ou anomalias nos dados por meio de técnicas estatísticas, matemáticas ou computacionais. A análise de dados pode ser utilizada para comprovar aspectos relacionados à materialidade ou à autoria de um fato ilícito, à probabilidade ou à previsibilidade de um evento futuro, à existência ou à extensão de um dano moral ou material, entre outros.

Em suma, as novas tecnologias e a inteligência artificial podem ser ferramentas poderosas para melhorar ou resolver o problema do congestionamento no julgamento de processos pelo judiciário nacional brasileiro. No entanto, elas devem ser usadas com responsabilidade, ética e transparência, respeitando os direitos fundamentais dos cidadãos e as normas jurídicas vigentes.

É preciso repensar o judiciário, sob o aspecto de custo e eficiência e consequentemente de acesso à Justiça, que por determinação constitucional do artigo 5º, inciso LXXVIII  prevê expressamente o direito à razoável duração do processo:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)

LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

Um exemplo a ser seguido no uso da tecnologia para eficiência é a Estônia, um país pioneiro na digitalização de diversos serviços públicos, incluindo o Judiciário. A Estônia combina um sistema judiciário bem estruturado e tradicional com o uso inovador da tecnologia, o que a torna um modelo para outras nações em termos de justiça digital, ela possui um sistema de justiça eletrônica chamado e-File, que permite o acesso online aos processos judiciais, a comunicação eletrônica entre as partes e os tribunais, a assinatura digital de documentos, o pagamento eletrônico de taxas e multas, entre outros recursos.

Além disso, a Estônia está desenvolvendo um projeto de inteligência artificial para auxiliar os juízes na tomada de decisão em casos simples e de baixo valor, como disputas de trânsito ou cobranças de dívidas. O projeto, chamado AI Judge, visa agilizar o julgamento desses casos, reduzir o acúmulo de processos e liberar os juízes humanos para se dedicarem a casos mais complexos e importantes. O AI Judge ainda está em fase de testes e não tem poder vinculante, mas pretende se tornar uma ferramenta oficial do judiciário estoniano no futuro.

O objetivo é agilizar o julgamento desses casos, reduzir o acúmulo de processos e liberar os juízes humanos para se dedicarem a casos mais complexos e importantes.

“O sistema AI Judge funciona da seguinte forma[5]:

As partes envolvidas no caso enviam os seus documentos e outras informações relevantes para o sistema por meio de uma plataforma online.

O sistema analisa os dados recebidos e aplica algoritmos de aprendizado de máquina para comparar o caso com casos semelhantes já julgados anteriormente.

O sistema gera uma decisão preliminar, baseada nos precedentes e nas normas jurídicas aplicáveis, e envia para as partes e para o juiz humano responsável pelo caso.

As partes podem aceitar ou recusar a decisão preliminar. Se elas aceitarem, o caso é encerrado. Se elas recusarem, elas podem apresentar os seus argumentos e provas adicionais para o juiz humano.

O juiz humano revisa a decisão preliminar, os argumentos e as provas das partes, e decide se mantém, altera ou anula a decisão do sistema. O juiz humano tem a palavra final sobre o caso e pode explicar os motivos da sua decisão.

A tecnologia é a chave para a redução de custo e dinamização do Judiciário?

Sim, nos parece inclusive que é o único caminho viável. Um judiciário capaz de eliminar os estoques de processos que só aumentam nos Tribunais, ano após ano, custaria para o cidadão um valor que este não pode pagar (lembrando que o Estado é uma representação fictícia de cada um de nós Pessoa Física). Além disso, os serviços judiciais digitais podem reduzir a necessidade de espaços físicos, o que diminui os custos de manutenção. O  número de pessoas demandadas para a execução da maior parte das atividades que atualmente são realizadas, pode ser drasticamente reduzido ou eliminado pela tecnologia.

Vale lembrar que a implementação da tecnologia no Judiciário não é um fim em si mesmo, mas um meio para alcançar um sistema judicial mais eficiente, acessível e justo. O desafio talvez seja garantir que a tecnologia seja implementada de forma responsável e inclusiva, assegurando que todos, independentemente de sua localização ou condição socioeconômica, possam se beneficiar dessas inovações.

Nesse sentido, é crucial continuar investindo em infraestrutura digital, capacitação de profissionais do direito e conscientização pública para garantir que a transição para um Judiciário digital seja bem-sucedida. A tecnologia tem o poder de transformar nosso sistema judicial, mas só veremos essas mudanças se a adotarmos de forma abrangente e consciente.

Somente assim, poderemos garantir um judiciário mais ágil, eficiente e justo na era digital. E vamos rumo ao presente, porque a tecnologia já existe e a incorporação dela no Judiciário é a saída  para o nosso desafio, questão de pouquíssimo tempo!


Espero que tenha gostado do texto. Dúvida, sugestão ou comentário, por favor, entre em contato comigo pelo meu perfil no LinkedIn ou pelo meu e-mail caio@brumkuster.com.br. Obrigado pela sua atenção e até a próxima!


[1] A taxa de congestionamento mede o percentual de processos que ficaram parados sem solução, em relação ao total tramitado no período de um ano. Quanto maior o índice, mais difícil será para o tribunal em lidar com seu estoque de processos

[2] Vide em https://www.cnj.jus.br/taxa-congestionamento-priorizacao/

[3] Vide em https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/ JUSTIÇA EM NÚMEROS 2022 Páginas 5 e 6

[4] Vide em: https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/

[5] Informação obtida no Chat Microsoft Bing em https://www.bing.com/search?form=MT00FM&q=Bing+AI&showconv=1&scdexwlcs=1&scdexwlispw=1 de 02/08/2023 às 13:51

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